No segundo andar da Fanese, onde se reúnem as turmas do curso de Direito, a memória também ganha voz. É ali, entre passos apressados e debates acalorados, que três figuras históricas se encontram em forma de arte. Tobias Barreto, Gizelda Morais e Aglaé d’Ávila agora ocupam um lugar de destaque naquele espaço, retratados em ilustrações que revelam, com traço e expressão, o que talvez a história escrita não dê conta de conter: a intensidade de quem ousou educar num tempo em que isso era, por si só, um ato de coragem.
A escolha por representá-los de forma ilustrada é também simbólica. Mais do que registros visuais, esses quadros são interpretações, convites à curiosidade, à escuta e à inspiração. Eles nos lembram que pensar diferente sempre exigiu mais do que inteligência: exigiu postura, convicção e resistência.
Tobias Barreto: a força das ideias contra os limites do tempo
Nascido em Sergipe, Tobias Barreto foi muito além das fronteiras geográficas e intelectuais de sua época. Jurista, filósofo e pioneiro do pensamento moderno no Brasil, foi ele quem ousou aproximar o Direito das novas correntes científicas e filosóficas da Europa. Fundador da chamada Escola do Recife, Tobias introduziu o evolucionismo e o positivismo no debate jurídico brasileiro, e o fez enfrentando resistências políticas, sociais e até raciais.
Seus versos contra a escravidão e suas críticas à religiosidade passiva não eram apenas textos, eram manifestações de um espírito que via no saber um instrumento de libertação. Hoje, ele é reconhecido como patrono da cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras. Mas, aqui na Fanese, ele também passa a ser reconhecido como alguém que nos ensina, todos os dias, que o pensamento é uma forma de coragem.
Gizelda Morais: o rigor da ciência e a delicadeza do gesto
Décadas depois, a sergipana Gizelda Morais consolidaria sua história como uma das grandes arquitetas do ensino superior no estado. Doutora pela Universidade de Lyon, foi ela quem idealizou e implantou, com método e sensibilidade, os primeiros programas de pós-graduação da Universidade Federal de Sergipe. Não o fez de forma protocolar, mas como quem convoca, escuta e articula. Visitou laboratórios, convidou docentes, enfrentou burocracias, tudo isso com o propósito de ampliar as possibilidades de formação e pesquisa no interior sergipano.
Mas sua atuação não se limitou ao ensino superior. Na década de 1970, Gizelda foi responsável por um ousado Plano Estadual de Educação, que previa, por exemplo, incentivos para que professores qualificados atuassem em regiões mais afastadas da capital. Sabia que o acesso à educação precisava ser descentralizado, interiorizado, democratizado. E sabia, também, que nada disso seria possível sem planejamento, estudo e ética. Discreta, firme e profundamente humana, Gizelda se dividiu entre a ciência e a poesia, e, por isso, foi inteira em tudo o que fez.
Aglaé d’Ávila Fontes: o saber que pulsa no corpo e na cultura
Se Tobias representou a ruptura pelo intelecto e Gizelda pelo planejamento, Aglaé d’Ávila Fontes é a presença da cultura viva como forma de ensinar. Lagartense, artista, pesquisadora e educadora, Aglaé percorreu o estado entre escolas, palcos, arquivos e festas populares. Sua história se desenha entre a arte e o povo, entre o gesto teatral e o saber das ruas. Dirigiu peças, formou professores, fundou escolas de música, presidiu instituições culturais e, acima de tudo, reconheceu na oralidade, na dança e nas manifestações populares, verdadeiros instrumentos de aprendizagem.
Autora de peças como Eu Não Tenho Onde Morar, Aglaé fez do teatro uma sala de aula e da aula, um espetáculo de conhecimento e afeto. Aos 90 anos, ainda é referência viva para pesquisadores, professores e artistas. Não por acaso, já foi tema de tese, biografia e homenagens institucionais. Agora, também passa a fazer parte do cotidiano da Fanese, não como passado, mas como presença que inspira o presente e desafia o futuro.
Instalar esses quadros no andar dedicado ao curso de Direito é mais do que uma decisão estética. É um gesto de curadoria simbólica. Porque esses nomes carregam em si os valores que a Fanese quer cultivar: o pensamento crítico, a valorização da cultura sergipana, a defesa do conhecimento como direito. E, principalmente, a ideia de que educar, nos livros, nas leis, nas artes, é sempre um modo de resistir.
Que os alunos que ali circulam encontrem nesses rostos ilustrados não apenas história, mas espelho. E que cada aula, cada discussão e cada silêncio também sejam, como foram para Tobias, Gizelda e Aglaé, formas de transformar o mundo.
Por Larissa Barros – Ascom Fanese